17/01/2011

O Fim do Mundo em 2011

Dia 11 de janeiro começou como outro dia nublado qualquer. Exceto por algum peso no ar, certo desconforto no rosto das pessoas aqui em Areal. É janeiro, e as águas de março que tradicionalmente encerram o verão estão distantes.

Os rios estavam atrevidamente cheios, mas não chovia. Havia o rumor que um excesso de água havia caído na cabeceira do Rio Preto e em seus afluentes. Os primeiros telejornais da manhã já noticiavam as tragédias ocorridas no distrito de Itaipava em Petrópolis, nas cidades de São José do Vale do Rio Preto, Teresópolis e Nova Friburgo. Ali estavam respostas para cara de desconforto de todos aqui na cidade, que até então estava tudo em ordem.

A rádio da cidade e o carro de som anunciavam o alerta máximo aos moradores dos bairros que possuíam casas próximas às margens do rio. Para que saíssem de suas casas e fossem para os morros, a fim de evitar qualquer tragédia e para que vidas não fossem perdidas. A barragem de Areal estava aberta e provavelmente aumentaria ainda mais o fluxo de água que passavam pelas comportas.

Por volta das 10h a ponte no início da estrada do morro grande, já começava a ficar submersa. A água cobria toda a superfície do córrego que desagua no Rio Preto e espalhava-se sorrateiramente pela rua. Em menos de uma hora, uma área de aproximadamente 120m daquela ponte estava coberta pela água amarelada, essa água começava a ocupar toda a Rua Afonsina pelos bueiros, que serviam como habitat das famílias de baratas e saiam correndo desesperadamente apavoradas pelo avanço inédito e repentino de água naqueles bueiros.

Algumas famílias da Rua Afonsina não pagaram para ver, receberam auxílio em retirar suas coisas que foram alocadas dentro de caminhões baú. Quando se deram conta, essas pessoas estavam com água dentro de suas casas, e num piscar de olhos a água passava dos 30cm para 1m. Os tijolos e bancos não adiantaram, a água continuava subindo. De forma catastrófica aquela situação estava tomando uma forma muito catastrófica e o único jeito era desertar apenas com a roupa do corpo ou com o que pudesse ser carregado.

Com tentativas frustradas, as pessoas arriscavam salvar suas coisas com auxílio de estranhos em baixo de seu teto. Incrivelmente uma corja de bárbaros simulava um auxílio e aproveitava a situação para furtar o que pudesse ser carregado e em plena luz do dia.

Em poucos minutos não havia mais rua, as pontes que estavam parcialmente submersas foram completamente tomadas pelas águas. A cidade foi praticamente tomada para dentro do rio. Passava das 13h quando uma notícia percorria a cidade, que mesmo havendo impossibilidade de transito nas ruas, se propagava todo o tipo de notícia e balelas por telefones. Falavam que a barragem de Areal havia estourado. Foi um corre-corre, gritaria e desespero pela cidade. A água parecia subir mais rápida e não havia mais solução, inundaria tudo até a altura da torre da igreja no centro da cidade. Mas por fim, não passou de um trote que a barragem havia rompido.

Os moradores de Alberto Torres viveram momentos difíceis e aterrorizantes. Viram postes de luz sendo levados pela água, trecho da Avenida Jorge Luiz dos Santos pela última vez. Muitos não conseguiram salvar o que deixaram nas proximidades do rio. A BR-040 teve um trecho alagado. A usina hidrelétrica de Alberto Torres não aguentou e parte foi embora com a água.

Nos morros ao redor da cidade, avistavam-se famílias desorientadas vendo de lá do alto as suas coisas, que foram conquistadas com o seu suor de cada-dia e com a sua particularidade, indo de água abaixo em poucos minutos. Em alguns pontos era constante a queda de construções, principalmente aquelas construídas em encostas e pela margem do rio de forma irregular.

Por todo o tempo, os curiosos registravam tudo com as suas câmeras. Gravaram aquela situação que estava deixando a partir dali, vários desabrigados. Nos pontos mais altos da cidade via-se descer quase tudo pelas águas barrentas do Rio Preto. Os moradores mais antigos diziam numa só voz: isso jamais havia acontecido.

Já eram 17h quando a água começou a dar uma trégua e recolheu-se para o seu lugar de origem. Vimos então as primeiras cenas do que foi tomado pela água. As construções que tentavam manter-se de pé aos poucos se entregavam como num final de guerra, se renderam aos graves ferimentos e foram ao chão. Muitas não resistiram e nem emergiram. Vias interditadas. Em suma, um horror. Mas que felizmente não resultou em óbitos.

Muito triste. Lama em cima e em baixo, dentro e fora. E agora, acabou? A água nos deixou em paz. Mas será que a represa aguenta? Não estamos preparados para outra, por hora não.

Não adiantava tentar apenas consolar as vítimas. Era chegada a hora de abrir as portas e janelas, calçar as galochas, arregaçar as mangas e pegar as inchadas. Começar um novo caminho depois de uma tragédia não é fácil. Aos desabrigados restou o teto público ou a casa de parentes e amigos. Aos não afetados pelas águas, foi preciso resgatar a solidariedade que estava esquecida.

Toda ajuda é bem vinda, sempre bem vinda. A quinta-feira 13 mais parecia uma sexta-feira 13. Quando o sol raiou já se escutava barulho da raspagem. Ainda haviam casas fechadas esperando a retirada do que sobrou dentro e da lama.

A energia elétrica foi reestabelecida parcialmente nos bairros, bem como o sinal de telefone celular e a água ainda é coisa para poucos.

Aproximadamente os 11mil habitantes da pacata cidade de Areal, jamais esquecerão o que viram. Está tudo guardado em nossas lembranças, está tudo isso tatuado na carne de quem perdeu o seu lar doce lar. Felizmente, a ausência de óbito é um fator tranquilizante e diminui a nossa dor, saber que não houve subtração em nossa população já ajuda a buscar forças para reconstruir isso tudo que foi perdido.

Conforme supracitado, toda ajuda é bem vinda. Quem puder e quiser, ajude os desabrigados e os necessitados. Toda a nossa região serrana precisa de sua ajuda, principalmente as cidades de Nova Friburgo e Teresópolis que tem um elevadíssimo número de óbitos. A sua solidariedade é o consolo e abrigo para todos que não tem comida, roupas, estão com escarces de água e precisam de um lugar para ficar. Nossa região precisa e precisa muito.

Um comentário:

jefersonjilo disse...

Muito boa essa definição e resenha do acontecido.